“Foi em 1223, três anos antes da morte de São Francisco de Assis. Quinze dias antes da festa do Natal, ele foi ter com um senhor da aldeia de Greccio, no vale de Rieti, a quem manifestou o desejo de celebrar a noite de Natal com grande solenidade, pedindo-lhe para preparar tudo o que pudesse dar uma ideia do nascimento de Jesus em Belém. E acrescentou: «Quereria vê-lo com estes meus olhos, exactamente como ele esteve no presépio, deitado a dormir sobre a palha duma manjedoura, entre um boi e um jumento».
Fizeram-lhe a vontade. Mas note-se que S. Francisco, no cenário do que hoje chamamos um presépio, apenas refere a manjedoura com palha e os dois animais. Não pretende fazer qualquer inovação. O boi e o jumento já andavam associados ao Natal numa velha tradição popular, baseada em literatura apócrifa e profética (O boi e o jumento já andavam tradicionalmente associados à noite de Natal muito antes de S. Francisco. Duas passagens bíblicas terão decerto contribuído para a tradição que veio a ser consignada em evangelhos apócrifos. A propósito do Messias vindouro, diz Habacuc: «Manifestar-te-ás no meio de dois animais»Hab 3,2, segundo o grego dos Setenta, diferente do original hebraico. E em Isaías pode ler-se: «O boi conhece o seu dono, e o jumento o estábulo do seu senhor»Is 1,3).
S. Francisco, no seu pedido, segue a tradição! O mais importante para ele era pôr em relevo a humildade e a pobreza, imaginar Jesus «tal como ele estava», em absoluta privação de tudo, no presépio da gruta de Belém. Pediu também ao proprietário de Greccio que convidasse para a solenidade toda a gente da povoação e dos arredores. Foram muitos os que aceitaram o convite e vieram, armados de archotes, tomar parte na festividade onde não faltava fervor, alegria e luz exterior e interior. Mas essa representação do Natal nem por sombras se assemelhava aos recentes presépios em miniatura, onde o que mais abunda são bonecos, animados ou não, e as mais das vezes anacrónicos. Tão-pouco se parecia com os presépios vivos que mais tarde vieram a ser representados nas igrejas… Já antes da época de S. Francisco se representavam em igrejas cenas teatrais, chamadas “ludi theatrales “, que as autoridades eclesiásticas não viam com bons olhos, por causa dos desmandos que poderiam advir. Por esse motivo é que S. Francisco teve o cuidado de previamente pedir ao papa Honório III autorização para a sua iniciativa, a fim de não ser acusado de pretender restaurar uma prática proibida desde 1207 por outro papa anterior, Inocêncio III.
O Natal de Greccio foi portanto acontecimento único. Nem presépio vivo, teatral, como na Idade Média, nem presépio de bonecada como agora aparece em igrejas e casas de famílias piedosas. O presépio de S. Francisco reduzia-se ao que ele havia muito tempo trazia no coração: celebrar de forma visível e impressionante a humildade do nascimento do Filho de Deus, o mistério da Encarnação. E para esse homem de Deus, cujo sonho era viver a pobreza de Jesus, contemplar a pobreza dum presépio ou curral de gado equivalia a contemplar o próprio Menino de Belém. É preciso nunca esquecer o pormenor: a manjedoura do curral de Greccio só tinha a palha que serviria de alimento aos animais. Não havia personagens vivas a representar Maria nem José, nem qualquer Menino de carne nem de barro. Nunca houve antes nem haverá jamais outro presépio como o de Greccio, feito apenas de desejo e de adoração interior. S. Francisco contempla a palha da, manjedoura, e a pobreza e humildade que ela representa faz-lhe vir as lágrimas aos olhos, pois para além dessa palha ele vê em espírito o próprio Filho de Deus. Os seus biógrafos estão de acordo: essa noite representou para ele o triunfo da simplicidade, da pobreza e da humildade. «Greccio transformou-se em nova Belém». O Menino Jesus esteve lá presente, sim, na fé e no amor de Francisco. ”
GUITTON, Gérad in DESCOBRIR S. FRANCISCO DE ASSIS, Editorial Franciscana 2006